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Jan
14
2021
Ford fecha fábricas no Brasil
Após anos de perdas, agravadas pelo cenário de pandemia, a Ford anunciou na última segunda-feira (11) o fechamento de suas fábricas no Brasil, mais precisamente as operações nas plantas de Camaçari (BA), Taubaté (SP) e da Troller (em Horizonte, CE) ainda em 2021.
A empresa afirma que a pandemia da Covid-19 tem ampliado a capacidade ociosa da indústria e está tomando esta decisão após anos de significativas perdas. A Ford não é a primeira a deixar o Brasil recentemente, já que em dezembro a MercedesBenz também fechou sua fábrica no Brasil em Iracemápolis (SP), que produzia principalmente o Classe C e o GLA.
Após a notícia, alguns analistas destacaram os possíveis impactos nas cadeias produtivas e na locadora de veículos destacando verem, pelo menos a princípio, impacto limitado.
Dos 1,6 milhão de carros produzidos nacionalmente em 2020, a Ford produziu 119 mil carros deles, ou 7,4% (veja no gráfico abaixo), enquanto a Mercedes-Benz produziu apenas 0,4%, ou 6,8 mil. A produção total de veículos no Brasil em 2019, em um cenário não pandêmico, atingiu 2,95 milhões de carros, o que representa uma taxa de utilização de 58,4% considerando os 5,05 milhões de carros ao ano de capacidade instalada de produção atualmente no país.
“Portanto, a saída da Ford deveria ter efeitos limitados de médio a longo prazo sobre a disponibilidade de carros no Brasil, uma vez que outras empresas têm muita capacidade ociosa para atender a demanda deixada pela Ford”, destaca o Credit Suisse em relatório.
Ao observar o efeito para as empresas de aluguéis de carros e que revendem seminovos, os analistas do banco suíço apontam que, usando os dados de carros usados à venda como proxy para a composição da frota, a estimativa é de que
a Localiza (RENT3) fosse a mais impactada, já que cerca de 14% de sua frota atual viria da Ford. A líder de mercado seria seguida de perto pela Unidas-Locamérica (LCAM3), que inclusive está em processo de fusão com a Localiza, com cerca de 12% de sua frota vinda da fabricante que está de saída do país. Movida (MOVI3), por outro lado, deve ser a menos impactada, pois apenas cerca de 0,5% de sua frota atual para venda vem da Ford.
A decisão do fabricante de deixar o Brasil poderia ter um leitura negativa para as locadoras de veículos, com a redução da produção local e a capacidade sobressalente podendo reduzir seu poder de barganha na compra de carros novos, avaliam os analistas do banco, mas reforçando o impacto relativamente limitado.
O Bradesco BBI também aponta que a decisão da Ford pode ser lida como ligeiramente negativa para as principais locadoras de veículos, com o movimento podendo resultar em uma desvalorização dos carros da Ford no mercado secundário e, consequentemente, aumentando as despesas de depreciação.
No entanto, as locadoras de veículos podem ter começado a reduzir sua exposição à Ford desde o fechamento da fábrica de São Bernardo em 2019, aliado ao fato de que a fabricante pode ter mudado sua estratégia comercial em meados de 2020 para aumentar o foco nas vendas no varejo.
Os analistas destacam que a Ford reduziu as vendas diretas para 62.080 carros em 2020, ante 110.821 e 107.763 unidades em 2019 e 2018, respectivamente. Apontando este evento como único e não relevante, os analistas do BBI mantiveram recomendação outperform (desempenho acima da média do mercado) para Localiza, com preço-alvo de R$ 90 (potencial de valorização de 29,27% frente o fechamento da véspera), Unidas com preço-alvo de R$ 39 (upside de 35,89%) e Movida com preço-alvo de R$ 30 (upside de 47%).
Com relação às empresas de bens de capital, o Bradesco BBI também não vê impacto tão significativo, avaliando que os 7% de participação de mercado da Ford no mercado doméstico provavelmente serão absorvidos por outras montadoras no Brasil, como aconteceu com a produção de veículos comerciais. Entre as fornecedoras de autopeças, a preferência no setor é pela Iochpe-Maxion (MYPK3), com recomendação outperform e preço-alvo de R$ 20 (upside de 32,45%) e pela Tupy (TUPY3), com preço-alvo de R$ 35,00 (upside de 52,11%).
O Credit Suisse avalia que a menor demanda doméstica por autopeças pode ter impacto negativo nas cadeias de valor e impactar as empresas de bens de capital do setor automotivo, como a Iochpe-Maxion. No entanto, acreditam que o impacto não será muito grande, pois poderia ser compensado por um ganho de participação de players locais ou pela demanda por suprimentos de veículos importados pela fabricante.
Com relação às siderúrgicas, a expectativa poderia ser por um impacto, a princípio, maior para a Usiminas (USIM5), uma vez que ela é a maior produtora do Brasil de aço plano, utilizado para a fabricação de automóveis e bens de capital. Contudo, o papel fechou em leve alta na véspera (uma das poucas do índice, com ganhos de 1,21%), no dia do anúncio, alta que chegou a ser estendida durante a sessão, para depois os papéis passarem a cair durante a tarde.
Para Stefano Spinelli, analista da RB Investimentos, não há tanto impacto na receita das siderúrgicas, destacando ser esta mais uma decisão estratégica global da Ford.
Na mesma linha, Yuri Pereira, analista da XP Investimentos, destaca não haver impacto relevante para Usiminas, avaliando que haverá redistribuição da participação de mercado no Brasil e, possivelmente, alguma exportação das siderúrgicas daqui para a Argentina, que seguirá com a produção da Ford. O analista ressalta que não há uma relação entre o fechamento da Ford e uma eventual queda na demanda por automóveis.
Com relação à recuperação do setor automotivo, o analista vê o cenário com alguma incerteza, dada a dificuldade de previsão sobre a reabertura econômica. “Porém, o mercado vem se recuperando e os estoques de autos estão baixos. Além disso, o cenário de aumentos de preços de aço para o setor é favorável, dada a sequência de aumentos na segunda metade de 2020 e o nível do câmbio atual”, avalia. A recomendação da XP para os papéis da Usiminas é neutra.
Já o Credit Suisse, na véspera, elevou a recomendação para equivalente à compra para a ação da Usiminas destacando, além do valuation mais atrativo, a expectativa de que os aços planos irão ter um desempenho melhor do que os aços longos – e também por conta da expectativa de recuperação do setor automotivo como um todo.